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Dislexia na vida adulta: desafios no campo profissional e pessoal

Andriele Bittencourt, graduação em Pedagogia, Educação Infantil e Psicopedagogia Clínica pela PUC/RS. Neuropsicopedagogia Clínica e Especialista em Arteterapia pela CENSUPEG. Especialista em Psicopedagogia Institucional e Especialista em Letramento e Alfabetização pela UNIASSELVI. Mestranda em Intervenção Psicológica no Desenvolvimento e na Educação pela FUNIBER. Atua na clínica CIM – Centro Integrado da Mente, na realização de avaliação, diagnóstico e intervenção clínica com adolescentes e crianças com dificuldades e transtornos de aprendizagem.

Os transtornos de aprendizagem podem impactar severamente a vida adulta, principalmente se não forem tratados na infância. Segundo a abordagem da neuropsicologia[1], os transtornos de aprendizagem são desordens cognitivas de fatores neurobiológicos que dificultam o ritmo de aprendizagem. Quando diagnosticados na infância podem ser trabalhados para amenizar os problemas resultantes dos déficits cognitivos.

No período da escolarização, a dislexia pode ocasionar consequências emocionais e comportamentais que podem permanecer e prevalecer durante a vida adulta. (BONINI,2010). Essa decorrência da vida escolar, podem impactar severamente o desenvolvimento emocional ocasionando sentimentos como a insegurança e a baixa auto estima, podendo propiciar a falta de motivação para os estudos.


[1] “A Neuropsicologia é, em sua essência, uma ciência aplicada e, como diversas outras disciplinas, a Neuropsicologia vem testemunhando os efeitos de uma vertiginosa evolução tecnológica, provocando a necessidade de atualizações e reformulações em relação às suas raízes conceituais, oferecendo fundamentação aos acadêmicos, suporte aos profissionais e primando pelo bem-estar das pessoas que dela se beneficiam.” (WAJMAN, 2021,p.9)

Um dos transtornos de aprendizagem que pode acarretar consequências severas na vida adulta é a dislexia. De acordo com Zorzi e Capellini (2009, p.17), […] “a dislexia é uma dificuldade acentuada de aquisição da leitura e escrita, apesar de preservada inteligência, oportunidade de aprendizagem, motivação e acuidade sensorial.”

A dislexia afeta o desempenho escolar das habilidades da escrita e da leitura. Conforme o DSM-5 (2014), a dislexia é um transtorno de aprendizagem que se caracteriza pelo prejuízo na precisão, na velocidade e na fluência da leitura das palavras. “O problema resulta de uma deficiência do componente fonológico da linguagem, que geralmente contrasta com as demais habilidades cognitivas do indivíduo que tem inteligência normal”. (COSENZA e GUERRA, 2011, p.105)

Na visão da neuropsicologia, a dislexia é uma condição hereditária, com alterações genéticas, apresentando ainda alterações no padrão neurológico do indivíduo. A dislexia é uma condição do sistema nervoso central de ordem neurobiológica, não se trata de má alfabetização, desmotivação, baixa inteligência, desatenção e baixa condição socioeconômica. (BONINI, 2010)

Existe outro grupo de disléxicos, além daqueles que possuem o transtorno de forma genética. São os aqueles que adquirem a dislexia em consequência de acidentes, o qual é acometido por lesão cerebral e resulta em perdas da habilidade de compreensão do significado da leitura. (MOOJEN, 2016)

Na vida adulta, a dislexia tem uma consequência ainda maior, não somente repercute na dificuldade de aprendizagem, que perdura por toda a vida; mas se não diagnosticada e tratada na infância pode afetar a vida pessoal, profissional e social do adulto. Essas consequências influenciam na forma de pensar e agir principalmente, pois a dislexia afeta as áreas cognitivas do cérebro o que implica em déficits das funções executivas gerando a dificuldade com o planejamento e execução de tarefas cotidianas de caráter pessoal e profissional. Outro aspecto é o déficit na memória e na comunicação que dificulta a habilidade de socialização

Outra característica muito frequente da dislexia é a dificuldade com a memória, tanto a curto como a longo prazo. Segundo Frank 10, este é um dos aspectos, emocionalmente, mais doloroso, pois, às vezes, é impossível lembrar se de certas experiências do passado. Este fato pode levar os indivíduos disléxicos a se esquivar e se isolar para não serem descobertos ou por não saber lidar com essa dificuldade, sentindo vergonha e medo de ser diferente dos demais. (BONINI, 2010, p.314)

No indivíduo adulto a dislexia predomina as alterações na na leitura, na escrita e na consciência fonológica[1]. (MOOJEN, 2016) Esse déficit na capacidade de decodificação dos grafemas e de fonemas[2], tem consequência ocasionando agudas dificuldades na habilidade de leitura e posteriormente na escrita. Com isso pode prejudicar a vida acadêmica do adulto na execução da escrita de trabalhos acadêmicos, pois o déficit na consciência fonológica ocasiona severos erros de ortografia. Os especialistas que realizam o diagnóstico da dislexia são os psicólogos e neuropsicólogos. Já os especialistas que abordam o trabalho de intervenção são os profissionais da psicopedagogia, neuropsicopedagogia e fonoaudiologia que irão trabalhar e estimular as habilidades de leitura e escrita.


[1] “Esta habilidade é chamada de Consciência Fonológica, definida como a capacidade para refletir sobre a estrutura sonora da fala bem como manipular seus componentes estruturais apresentando uma estreita relação com o aprendizado do código escrito.”(PAULA, MOTA, KESKE-SOARES, 2005, p.176)

[2] Conforme Santamaria, Leitão e Assencio-Ferreira (2004) é na correspondência entre os fonemas e grafemas que ocorre um processo de cognição no sentido de compreender a escrita.

A dislexia altera o funcionamento das funções neuropsicológicas como: a atenção, às funções executivas, o sistema fonológico da linguagem, o processamento visual e auditivo. (LIMA, SALGADO E CIASCA, 2011). Este transtorno neurobiológico influencia o processo de aprendizagem das habilidades acadêmicas da leitura e da escrita, que se não for tratado na infância pode prejudicar a vida adulta afetando o setor profissional, pessoal e emocional[1]. Podendo prejudicar o rendimento do trabalho, pois o adulto disléxico possui déficit nas funções executivas como: atenção, planejamento, flexibilidade cognitiva, entre outros. Influenciando em seu potencial na execução de tarefas diversificadas.

O transtorno da dislexia também afeta o rendimento acadêmico do adulto, principalmente as habilidades da leitura, interpretação e da escrita[2], devido a falta de fluência na leitura, os disléxicos leêm lentamente e de maneira trabalhosa. Fato este que foi comprovado em estudos com imagens cerebrais, indicando que adultos com dislexia nunca passam a utilizar um circuito neural de leitura automática, o qual é necessária à leitura fluente. (BONINI, 2010)

As atividades acadêmicas do adulto com dislexia possuem uma discrepância entre as realizações acadêmicas e seu potencial cognitivo; ocorrem frequentemente confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças sutis de grafia, ou grafias similares; inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras; substituições de palavras por outras de estrutura mais ou menos similar ou criação de palavras, porém com diferente significado; dificuldade na identificação e conversão fonema-grafema; dificuldade com cálculos matemáticos; resistência ou relutância para escrever ou tomar notas. (CABUSSU, 2009)


[4] “A dislexia pode ser definida como um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica, caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e deficiência na habilidade de decodificação e soletração, resultantes de um déficit no componente fonológico da linguagem.” (OLIVEIRA, MURPHY, SCHOCHAT, 2013)

[5] “O disléxico diante dessa inabilidade de leitura, pode desenvolver um sentimento de fobia, aspecto relacionado ao fato de sair de casa do que ansiedade relacionada à escola, o que ocasionalmente provocará rejeição pela escola.” (BONINI, 2010, p.316)

O disléxico que não teve um acompanhamento adequado na infância apresentará dificuldades em leitura e escrita, na memória de curto prazo, nomeação de objetos e pessoas, afetará a aprendizagem de uma segunda língua,os aspectos afetivos e emocionais. Ainda poderá apresentar ansiedade, depressão, algumas vezes, pode começar a abusar de drogas e álcool. (SOARES et al., 2010)

A dislexia na vida adulta pode influenciar o comportamento do indivíduo e produzir sentimentos de insegurança e baixa autoestima. A baixa estima pode prejudicar o rendimento não somente no trabalho, mas afetar as relações na vida emocional e social. Pois os adultos com dislexia possuem rigorosas dificuldades de articulação e comunicação. Dessa forma, podem apresentar problemas sociais e conflitos devido a baixa tolerância com relação à opinião dos outros.

“A dislexia os ‘torna’ agressivos, os problemas emocionais em um adulto com dislexia ocorrem devido à pressão emocional por eles vivenciada, mas quando as qualidades positivas são colocadas em evidência, pode livrá-los de confusão ou de algum constrangimento indesejado.” (BONINI,2010, p.320-321)

O disléxico necessita de um acompanhamento terapêutico[1] relacionado ao desenvolvimento das habilidades da leitura e da escrita que pode ser realizada pelo fonoaudiólogo, psicopedagogo e neuropsicopedagogo realizando a estimulação cognitiva e o suporte com relação ao desenvolvimento das habilidades cognitivas. O adulto disléxico precisa de apoio e acompanhamento psicológico com relação às questões emocionais, pois como afirma Cabussu (2009), o disléxico possui baixa autoestima afetiva e intelectual.

Mas quando o disléxico consegue acreditar em seu potencial, mesmo diante das adversidades pode superar e desenvolver habilidades que podem livrá-lo do fracasso. (BONINI, 2010) Para que o adulto com dislexia possa ter êxito na vida profissional, pessoal e emocional, será imprescindível um acompanhamento terapêutico desde a infância que possibilitará o amparo de suas dificuldades, tanto cognitivas quanto emocionais. Desenvolvendo e ampliando as habilidades de leitura, escrita e principalmente as habilidades sócio emocionais. Dessa forma, o adulto disléxico poderá ter uma vida com mais chances de sucesso no trabalho e nos demais setores de sua vida.


[6] De acordo com Cabussu (2009), a maioria dos disléxicos após técnicas terapêuticas chegam a dominar as habilidades da leitura e escrita, sempre com um nível de esforço.

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BONINI, Flávia Vianna et al . Problemas emocionais em um adulto com dislexia: um estudo de caso. Rev. psicopedag., São Paulo , v. 27, n. 83, p. 310-322, 2010 . Disponível. acessos em 15 jul. 2022.

CABUSSU, Maria Arminda S. Tutti. Dislexia e estresse: implicações neuropsicológicas e psicopedagógicas. Rev. psicopedag., São Paulo , v. 26, n. 81, p. 476-485, 2009 . Disponível em . acessos em 19 ago. 2022.

COSENZA, Ramon. M, GUERRA Leonor. B, Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

LIMA, Ricardo Franco de; SALGADO, Cíntia Alves; CIASCA, Sylvia Maria. Associação da dislexia do desenvolvimento com comorbidade emocional: um estudo de caso. Rev. CEFAC, São Paulo , v. 13, n. 4, p. 756-762, Aug. 2011.

PAULA, Giovana Romero, MOTA, Helena Bolli e KESKE-SOARES, Márcia. A terapia em consciência fonológica no processo de alfabetização. Pró-Fono Revista de Atualização Científica [online]. 2005, v. 17, n. 2 [Acessado 25 Agosto 2022] , pp. 175-184. Disponível em: . Epub 20 Mar 2006. ISSN 0104-5687. https://doi.org/10.1590/S0104-56872005000200006.

MOOJEN SMP, Bassôa A, Gonçalves HA. Características da dislexia de desenvolvimento e sua manifestação na idade adulta. Rev. Psicopedagogia 2016;33(100):50-59.

OLIVEIRA, Juliana Casseb; MURPHY, Cristina Ferraz Borges; SCHOCHAT, Eliane. Processamento auditivo (central) em crianças com dislexia: avaliação comportamental e eletrofisiológica. CoDAS, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 39-44,

SANTAMARIA. Viviane Laure, LEITÃO. Patrícia Barros, ASSENCIO-FERREIRA. Vicente José. A consciência fonológica no processo de alfabetização. Revista CEFAC, v.6, n.3, 237-41, jul-set, 2004, São Paulo.

SOARES, H. M. A. et al. Diagnóstico Precoce da Dislexia: Importância da Equipe Multidisciplinar. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, n. 5, p. 209-218, 2010.

WAJMAN, José Roberto.Neuropsicologia Clínica: Notas Históricas, Fundamentos Teórico-Metodológicos e Diretrizes para Formação Profissional. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online]. 2021, v. 37 [Acessado 25 Agosto 2022] , e 37215. Disponível em: . Epub 01 Fev 2021. ISSN 1806-3446. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37215.

2 thoughts on “Dislexia na vida adulta: desafios no campo profissional e pessoal

  1. Excelente resumo da vida de um disléxico eu tenho e sofrido estou com 58 anos

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