Convidados

Impactos das dinâmicas de trabalho na saúde mental: o que é resultado da pandemia e o que é estrutural?  

Daiane Silva de Souza. Graduada em Psicologia pela UFRGS. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e da Personalidade (Ênfase em Avaliação Psicológica) pelo PPG/UFRGS. Especialista em Psicologia Clínica (Ênfase Avaliação Psicológica) pela UFRGS.

A pandemia causada pela Covid-19 teve efeitos sobre as regras estabelecidas para o trabalho, bem como para a sua organização. Além disso, as formas individuais e coletivas de vivenciar o trabalho foram impactadas. Têm sido identificados inúmeros casos de adoecimento mental que em decorrência do trabalho no contexto da pandemia, tanto no setor privado, quanto no público. Além do impacto nas condições de trabalho, a situação do desemprego também foi agravada pela pandemia.

Estudo realizado por Moronte (2020), apresentou uma leitura em que identifica três grupos de trabalhadores, conforme os cenários de trabalho que foram postos na pandemia: os trabalhadores sem trabalho, os quais que foram demitidos ou que não puderam manter seus trabalhos informais ou autônomos, visto que, junto com a pandemia, ocorreu uma crise econômica global; os teletrabalhadores, cujo trabalho permite flexibilidade quanto ao local de realização, sendo possível executá-lo inclusive em suas residências; e os trabalhadores em tempo de guerra, aqueles que precisam realizar seu trabalho de modo presencial.

IMAGEM: Canva, 2022.

Destaco aqui os teletrabalhadores, que tiveram o seu formato de trabalho demasiadamente alterado devido ao uso das tecnologias digitais e pela internet. No caso do trabalho remoto, o controle sobre o trabalho realizado aumentou, pois, em comparação ao trabalho presencial, não havia esse controle de número de horas logado, trabalhar com a câmera ligada e manter registros no sistema com relatórios de atividades ao longo do dia. Além disso, essa forma de trabalho exige que os trabalhadores aprendam a utilizar novas ferramentas e desenvolver novas aprendizagens e estratégias para alcançar os resultados pretendidos.

 Ademais, o teletrabalho, por exemplo, trouxe o aumento de jornadas, muitas vezes exaustivas, além de, em determinados casos, falta de reconhecimento e de autonomia no ambiente de trabalho. Essas são algumas das causas dos inúmeros afastamentos em decorrência de problemas de saúde mental. E aqui há um ponto ao qual, enquanto sociedade, devemos ficar atentos: quando um problema de ordem social é colocado no sujeito, há uma desresponsabilização do sistema social. Muitas vezes, isso ocorre quando há uma condição de saúde mental incapacitante. todavia, muitas vezes, essas condições são precipitadas pela forma de organização social do trabalho.

As condições psíquicas apresentadas pelos trabalhadores em contextos de jornadas abusivas de trabalho, somadas ao problema real do enfrentamento de uma questão de saúde pública mundial como uma pandemia, pode levar até mesmo o indivíduo mais saudável ao adoecimento. É claro que características de personalidade podem precipitar determinados transtornos psíquicos em contextos críticos. Por exemplo, indivíduos com perfil mais ansioso e fóbico, ou com tendência à depressão, apresentam-se mais vulneráveis a cenários como uma pandemia. Quando somamos a essas características um excesso de auto cobrança e uma necessidade de querer responder a demanda de um “outro Institucional” como forma de validar a sua competência no trabalho, além de negligenciar a vida pessoal, a rede de apoio afetiva e o lazer, e tem-se uma perspectiva em que uma pessoa pode atingir o limite da sanidade.

IMAGEM: Canva, 2022.

Algumas das principais consequências negativas para a saúde mental, de acordo com diversas pesquisas, científicas ou empíricas, são dificuldades do sono, crises de ansiedade ou de irritabilidade/choro frequente, alto índice de estresse, incapacidade de relaxar, dificuldades na concentração ou pensamento lento e, até mesmo, tristeza profunda com ideação suicida. Para amenizar esses sintomas, é indicado que o indivíduo busque um profissional de saúde mental a fim de iniciar um tratamento. No entanto, além disso, é necessário encontrar sentido nas atividades diárias. Segundo o psiquiatra Viktor Frankl (1946/2021), todos nós somos seres em busca de sentido, em qualquer área de nossa vida, inclusive no trabalho. Segundo ele, o sentido não é algo que é dado por alguém, mas encontrado, e essa busca é única, singular, essencialmente subjetiva.

IMAGEM: Canva, 2022.

Para favorecer e preservar a saúde mental, a atividade laboral precisa estar intimamente ligada a um sentido, ou seja, a um propósito em relação ao que é feito no trabalho diário. Quando uma pessoa trabalha somente por uma remuneração em troca, sem um propósito definido, a saúde mental é, consequentemente, afetada. É claro que há momentos em que a satisfação não é encontrada, há momentos de transição na carreira, no entanto, a busca pelo propósito, tão único para cada pessoa, e, por vezes, tão simples, fará a diferença positivamente na saúde mental. O propósito é aquilo que faz você levantar todas as manhãs, se preparar, sair de casa para ser produtivo e encontrar realização no trabalho. Uma das melhores formas de buscar sentido no trabalho é fazer uma reflexão sobre dessa questão. A partir do momento em que uma pessoa encontra o sentido do trabalho na diferença que faz na vida das pessoas que dependem dele, a saúde mental dessa pessoa será impactada positivamente, bem como a das pessoas ao seu redor.

Daiane Silva de Souza, Psicóloga (CRP 07/25249), é Coordenadora de Processos Inclusivos em escola da rede privada. (Porto Alegre/RS). Atuou como psicóloga da Rede de Escolas de Educação Infantil do Sesc/RS, responsável pelos processos inclusivos, representando essa instituição, a nível nacional, em Grupos de Trabalho sobre Inclusão e Diversidade no Departamento Nacional do Sesc (DN/RJ) e, a nível regional, em Grupo de Trabalho para implementação de processos inclusivos no Sesc/RS. É professora convidada de cursos de pós-graduação, em disciplinas de Neuropsicologia e Educação Inclusiva, Avaliação Psicológica e Psicodiagnóstico. Atua em consultório particular com Psicoterapia de adultos e Psicodiagnóstico de crianças e adolescentes, além de orientação a pais pelo viés da Disciplina Positiva e da Comunicação Não-Violenta.

Referências

FRANKL, V. (1946/2021). Em busca de sentido. Petrópolis: Editora Vozes.

MORONTE, E. A. (2020). A pandemia do novo coronavírus e o impacto na saúde mental dos trabalhadores e das trabalhadoras. Isn C. B. Augusto & R. D. Santos (Orgs.), Pandemias e pandemônios no Brasil (pp. 219-228). São Paulo, SP: Tirant Lo Blanch.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.